Entrevista com Edwin Scheller, pesquisador biodinâmico

Entrevista concedida a Marco Bertalot no ano de 1998 por Edwin Scheller, pesquisador alemão do Instituto Kwalis, pesquisa de qualidade Fulda Ltda.

Tradução: Karin Stasch
Revisão: Maria Bertalot

Ao publicarmos postumamente, em três partes, a entrevista concedida pelo Dr. Edwin Scheller, gostaríamos de expressar a nossa admiração pelo trabalho minucioso, apaixonado desse renomado pesquisador alemão, cuja contribuição para a Biodinâmica e a Antroposofia é de inestimável valor. Boa leitura!

Parte I

Sr. Scheller, o senhor ajudou a construir e trabalhou todo esse tempo em um Instituto de Pesquisa sobre qualidade, e esse instituto de pesquisa é financiado por uma cadeia de supermercados, a empresa Tegut. O senhor pode dizer-nos porque a empresa Tegut se interessa pela qualidade nutricional e pelos produtos orgânicos?

Sim, mais ou menos no ano de 1986 eu fundei uma associação de pesquisa, a Associação de Pesquisa Goetheanística, junto com colegas, e nosso tema principal era o trabalho em conjunto entre diversas áreas. Eu ainda trabalho como diretor de projetos e sócio diretivo e em 1987 encontrei-me com Sr. Gutberlet, o diretor do grupo Tegut. A empresa Tegut administra hoje mais ou menos 70 macrosupermercados numa área de 150 km ao redor de Fulda na Alemanha e tem mercados de descontos em uma área de mais ou menos 280 a 300 km. O Sr. Gutberlet interessava-se já fazia mais tempo pela antroposofia e especialmente pela Agricultura Biodinâmica. E ele financiou minhas pesquisas sobre o metabolismo do nitrogênio no solo de 1988 até 1992. No ano de 1991 o senhor Gutberlet achou que tínhamos trabalhado tanto sobre os fundamentos do crescimento das plantas, que agora seria hora de pesquisar a qualidade nutricional para dar um impulso positivo. Com sua ajuda montamos um instituto moderno de alimentação e dentro desse instituto a minha tarefa era entre outras, pesquisar a influência exercida na qualidade nutricional-fisiológica pela adubação na agricultura.

Para um comerciante de alimentos, penso nesse caso também nos outros administradores do empreendimento, com certeza é estranho preocupar-se agora com qualidade nutricional-fisiológica. Quais eram os motivos? Quais eram os pensamentos que os ocupavam?

Desde a década de 80 a empresa Tegut tinha começado a introduzir produtos ecológicos no seu sortimento. Mas a ressonância dos clientes como também dos administradores era relativamente pequena, havia pouca compreensão. Os preços eram relativamente altos, e o movimento financeiro muito pequeno. Em uma conversa com Sr. Gutberlet, quando ele me contou das dificuldades, sugeri que poderíamos organizar um cultivo Deméter direto dos agricultores para a empresa Tegut. Com isso os produtos ficariam bem mais baratos e a oferta na área de verduras, legumes e frutas poderia ser maior. Fui então com o administrador da seção de verduras, legumes e frutas visitar um agricultor amigo meu, que cultivava uma paleta rica de tipos de verduras e legumes para o comércio, e a mulher do agricultor tinha preparado mais ou menos por coincidência uma rica paleta de saladas, e o administrador tinha o costume de provar todos os produtos fornecidos, para ver se correspondiam às suas exigências. Ele tinha um fino poder de degustação e conhecia as diferenças de aromas. Depois de ter provado essas saladas Deméter, ele ficou muito entusiasmado e adorou o projeto. Organizamos um cultivo de agricultores Deméter diretamente para o supermercado e o principal problema era como transportar esses produtos rapidamente para a firma, de forma que pudessem ser fornecidos com qualidade e frescor. Isso foi solucionado depois com a criatividade do agricultor Walter Meier que tinha sido o anfitrião. A partir desse momento o movimento de produtos ecológicos, verduras, legumes e frutas aumentaram consideravelmente. E os administradores das outras seções viram que ali havia um ramo de crescimento, com o qual poderiam ter um maior aumento de movimento financeiro. No começo eram 100% ao ano, depois nos últimos anos havia ainda um aumento de 40 a 60% por ano. Isso é raro na seção de alimentos, e os administradores ficaram curiosos, depois mais abertos, conforme esse movimento financeiro aumentava. E isso levou a empresa Tegut a ser líder alemã como cadeia de supermercados, na comercialização de produtos ecológicos: verduras, legumes, frutas, produtos do leite e também produtos de padaria. Em algumas seções de legumes, verduras e frutas bem administradas, a participação do movimento financeiro chegou a ser mais que 25%.

Em relação a fundação do Instituto: nossa tarefa era apoiar a qualidade de produtos ecológicos como também os produtos de produção convencional através de projetos de pesquisa. E aqui entrávamos agora num campo novo sob o ponto de vista comercial. Pois ao conversar com um administrador da área de comercialização, sobre a influência principal na venda de um produto, ele dirá que é o preço. Tendo 5 marcas de manteiga, e uma delas é 30 centavos mais barata, 80% desta será vendida e todas as outras somente 20% e isto independentemente de qual marca é barateada. Isto é a experiência do administrador. E existe a seção de propaganda. A seção de propaganda diz: “A qualidade é feita por nós. Nós dizemos ao consumidor o que é qualidade, e o que ele vivencia no produto”. Disto estão convencidos. E aí chegamos nós, o Instituto, dizendo que a diferença principal dos produtos ecológicos, dos produtos biodinâmicos era a qualidade nutricional-fisiológica. E a primeira coisa que fizeram foi naturalmente sacudir a cabeça incrédulos, isso era algo além de sua área de experiência, de que isso seria um critério para o consumidor.

E como conseguiram interessar os administradores pela qualidade nutricional-fisiológica?

Tivemos que criar uma ponte entre a qualidade nutricional-fisiológica e a procura dos produtos, de forma que fosse compreensível para os administradores. Todo comerciante sabe que o sabor e a aparência influenciam a procura pelo produto. Mas que a qualidade nutricional-fisiológica, que não tem sabor nem cheiro, tivesse uma influência sobre a procura, era estranho. E isso era um desafio para mim. Parti do seguinte raciocínio: as exigências no mundo de trabalho que são feitas ao organismo humano, mudaram muito nos últimos 20 anos. Enquanto nos anos 50 e 60 a força muscular era requisitada no trabalho da maioria das pessoas, hoje se exige muito dos nervos no controle de processos, na velocidade dos processos etc. A exigência passou dos músculos para os nervos principalmente. Qual é a nutrição que os nervos precisam? O que está ligado a isso? Foi a primeira pergunta que fiz. Pois se observarmos a nós mesmos e aos outros, poderemos constatar que a qualidade de vida, o bem-estar, sempre depende da condição dos nervos. Os nervos nos são mais úteis quando nem sabemos que temos algum. Quando entram na nossa consciência, algo já está errado. Fizemos então as seguintes perguntas: A qualidade nutricional-fisiológica influencia a procura? Segundo: Qual área da qualidade nutricional-fisiológica (amido, gordura, carbohidratos, vitaminas, sais minerais) tem mais efeito na nossa consciência, no bem-estar das pessoas? Terceiro: podemos aumentar o parâmetro dessa qualidade nutricional-fisiológica através da adubação e cultivo?

Incentivado por um agricultor, ocupei-me primeiro com a qualidade da proteína. E constatei relativamente rápido em livros técnicos de medicina que uma chave para a compreensão da ponte que existe entre qualidade nutricional-fisiológica e o bem-estar do consumidor é a troca de proteínas dos nervos. A maioria das pessoas sabe que os nervos consomem grandes quantidades de glicose, o cérebro gasta por dia mais ou menos 90 g, o total dos nervos mais ou menos 140 g de glicose por dia (pela literatura médica). Relativamente poucas pessoas sabem que os nervos também têm um alto metabolismo de proteínas. De uma célula nervosa para outra há duas possibilidades de transferência de sinais: uma forma de transferência trabalha com sais, a outra forma com os chamados materiais mensageiros dos nervos, os neurotransmissores. E esses mensageiros dos nervos são formados por aminoácidos. Uma parte desses aminoácidos é diretamente material mensageiro, outra parte dos aminoácidos é levemente reformada. Isto quer dizer que com uma carga maior nos nervos (nervenbelastung), o movimento de energia nos nervos e no cérebro aumenta só um pouco, se subisse muito, teríamos que, ao ouvir concentradamente uma palestra, respirar cada vez com mais dificuldade, pois o pulmão teria que captar mais oxigênio. Isto normalmente não é o caso. Mas o que aumenta quando nos concentramos mais, são as eliminações de nitrogênio do organismo, quer dizer, transforma-se e usa-se mais proteína no corpo. E eu examinei alguns desses neuropeptídios, para entender a composição dos aminoácidos, e descobri, para surpresa minha que uma parte desses neuropeptídios se compõe de 50 a 80% de aminoácidos essenciais, inclusive de histidina, tirosina e cisteína. Por exemplo, no trigo este conteúdo é de somente 26 a 30%%, quer dizer que numa carga alta dos nervos, necessitamos além de vitaminas e sais minerais também especialmente aminoácidos essenciais.

E quais as conseqüências? Se exatamente esses aminoácidos essenciais são mais usados e talvez repostos de forma insuficiente pela alimentação?

A conseqüência é que o organismo chega a uma relativa deficiência destes aminoácidos. Se por exemplo o aminoácido Tirosina for muito usado e a musculatura ou o fígado não repuserem o suficiente, as assim chamadas catecolaminas, isto é, adrenalina e noradrenalina, conhecidas como hormônios supra-renais, só podem ser formadas em quantias pequenas. Essas catecolaminas que normalmente são hormônios suprarenais, existem no cérebro como neuro transmissores, e a adrenalina e noradrenalina e dopaminas se incumbem também da elasticidade espiritual, atenção e concentração nos nervos. Se um administrador trabalhou a semana inteira sob muita pressão, e talvez tenha tido uma alimentação insuficiente, como por exemplo, cachorro-quente e pãezinhos, ele chegará em casa no final-de-semana com seu corpo desgastado e com o tempo de descanso ocorre uma descontração, mas que se for muito forte, levará a depressão e caso a base fisiológica do organismo não estiver em ordem, se por exemplo houver pouca tirosina, pois foi muito gasta, (isto é a nossa tese), aumentam as depressões. Uma neurologista, que estudou nos Estados Unidos, contou-me que em uma pesquisa constatou-se que 70% dos administradores tomam antidepressivos nos finais-de-semana, pois como não tiveram tempo para sua família durante a semana, no final-de-semana querem estar com ela. E se estiverem deprimidos, isso seria uma carga para eles e para as famílias também. Mas uma das razões para a depressão é a falta de nutrição de proteína no cérebro e também de vitaminas.

Leia a Parte II
Artigo Científico (informação adicional): http://www.cpmo.org.br/artigos/Agrotoxicos_Alimento_Tokeshi.pdf