Dois Fios da Questão Cultural

Quando tratamos da questão cultural podemos observar que ela se forma por dois fios, um é o fio que retorna do presente ao passado, o fio que conduziu a questão cultural até o presente momento e que está relacionado aos nossos antepassados, às construções e contribuições dos povos antigos. Este fio vou chamar de “Fio da Conservação”. Ele pede por ser preservado de maneira consciente e responsável, é ele o fio que nos conecta às nossas raízes e história.

O outro é o fio que vai do presente ao futuro, um fio com uma nova trama e que está relacionado com a construção do ser humano e da comunidade do futuro que não leva mais em conta a cor da pele, o país de origem, a religião praticada, o partido político de preferência, mas sim a capacidade humana de atuar a partir da liberdade responsável. Esse fio pede por ser tecido com a coragem e consciência esperada de um ser humano da atualidade – vou chamá-lo de “Fio do Desenvolvimento”.

Se bem observarmos, estas tramas se unem e se tornam uma mas, apesar delas estarem conectadas, os meios e condições do seu desenvolvimento se configuram de forma distinta.

O que necessitamos desenvolver hoje para que atinjamos a comunidade do futuro e teçamos a trama do Fio do Desenvolvimento? Essa é a pergunta que deveria mover o ser humano da atualidade! É preciso um caminho consciente, um caminho de desenvolvimento equilibrado, um caminho educativo que possibilite o desenvolvimento humano das esferas: motora, anímica e cultural/espiritual para que se torne livre e responsável na mesma medida.

O que se faz necessário conservar? Essa é a pergunta que deveria alicerçar o ser humano da atualidade para que se possa conservar o que foi plantado, o que foi criado e o que foi vivido por nossos antepassados.

Ao observar as obras das Madonas de Rafael Sanzio, de forma que se construa internamente um olhar capaz de se abrir sem pré-julgamentos, permitindo que ela revele o que veio revelar, observaremos que elas são expressões da vida humana na sua maior plenitude. As Madonas de Rafael pertencem ao Fio do Desenvolvimento, por isso são insubstituíveis em relação ao seu propósito, o que não anula o valor das obras que nutrem o Fio da Conservação, que alimentam e consolidam o valor das expressões artísticas de nossos antepassados.

Os versos da manhã, dados por Rudolf Steiner para serem recitados pelas crianças e jovens da Escola Livre de Stuttgart também compõem o Fio do Desenvolvimento, são aforismas que nutrem o desenvolvimento humano. O acréscimo de vivências culturais que alimentam o Fio da Conservação certamente enriquecem o contexto escolar, mas não substituem os versos da manhã que são os primeiros passos para o caminho meditativo do ser humano consciente.

A humanidade carrega o desafio de caminhar em direção ao futuro sem medo, com serenidade e equanimidade para com tudo que possa vir e a imagem de Micael vem liderar com inteligência essas qualidades do Fio do Desenvolvimento, ele não mata, mas domina o dragão e ao dominá-lo não olha em seus olhos para não cair em seu jugo. As vivências culturais relacionadas aos antigos heróis são tramas do Fio da Conservação e devem agregar qualidades à insubstituível imagem de Micael.

Se essas duas tramas culturais se misturam, se diluem, se dissolvem, perdemos a identidade e características de cada uma delas, tolhemos o direito do Fio da Conservação de manter vivo o passado na sua pureza e encerramos o direito do Fio do Desenvolvimento de desenvolver com plenitude a sua trama, ambos os fios não devem ser colocados no mesmo lugar, um não substitui o outro!

Na mistura da questão cultural vive a diluição de identidades, nos colocando em risco de nos perdermos, esquecermos quais são os nossos propósitos e quais os caminhos devemos trilhar para chegarmos onde queremos chegar.

Graciela Franco da Silveira

Pedagoga e Assistente Social gestora-fundadora da Escola Ecóporan fundamentada na pedagogia de Rudolf Steiner.

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